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ACADEMIA DA ANSIEDADE: Aprenda a exercitar seu músculo do desconforto

Como você se sentiu ao ler o título deste artigo? Inquieto? Curioso? Esperançoso?

Já se imaginou nesta academia?

A proposta da academia da ansiedade é simples: ensinar você a exercitar seu músculo do desconforto. Parece estranho? Sim, é estranho.

Esta ideia possivelmente inverta a lógica que você está acostumado a seguir. Ou seja, ao invés de fugir do desconforto causado pela ansiedade, você irá em busca dele. Em vez de escapar das situações desagradáveis, você aprenderá a provocá-las e resolvê-las.

Então, antes de fazer sua matrícula na academia, quero lhe explicar melhor a lógica da coisa.

Inicialmente, pense na ansiedade como uma experiência que você realiza: quanto mais praticá-la, mais fácil ela ficará.

Imagine qualquer atividade na sua vida que ao realizar pela primeira vez, foi difícil, mas com o tempo, foi se tornando tão simples que passou a ser entediante.

Você sabe dirigir? Eu lhe confesso que na primeira vez em que sentei no banco do motorista, achei tudo muito complexo. Muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, para prestar atenção, para me preocupar. Era necessário muito esforço mental.

Porém, com o tempo, tudo se tornou automatizado, e a tarefa que antes parecia muito difícil acabou se tornando simples e rotineira. Aquilo que era desconfortável acabou se tornando prazeroso. Tudo isso ocorreu porque eu pratiquei o ato de dirigir por diversas vezes.

E o que isso tem a ver com a ansiedade?

É a mesma lógica. Quando você enfrenta a situação que lhe causa medo, você percebe que no início, sua ansiedade se eleva. Porém, nas próximas vezes em que você enfrentá-la, a ansiedade já não será mais tão intensa.

Isso ocorre porque quanto mais tempo você permanece em contato com o seu medo e com o desconforto que ele causa, menos assustador ele será.

Aqui, quero que você imagine o desconforto como um músculo do seu corpo: quanto mais você exercitá-lo, mais fortalecido ele ficará, deixando você mais preparado para enfrentar as situações diárias.

A ideia é que você se acostume a sentir desconforto, e com isso, não precise mais fugir das situações difíceis.

Então, esta é a lógica da academia da ansiedade. Está pronto para se matricular?

Cabe lembrar que as orientações da academia da ansiedade consistem em dicas práticas que você pode começar a aplicar em seu dia a dia, porém, não substituem um tratamento médico ou psicológico.

Para que o seu treino possa surtir efeito, sugiro que você siga duas grandes etapas: 1) Os primeiros dias na academia; 2) Iniciando os exercícios na academia. Vejamos agora como isso funciona na prática.

1. Os primeiros dias na academia

Quando uma pessoa chega a uma academia, é comum que primeiramente queira conhecer as ofertas existentes e explicar quais são as suas necessidades em termos de exercícios, além das partes do seu corpo que deseja trabalhar.

Aqui, o raciocínio é semelhante: em primeiro lugar, você precisa definir qual é o seu medo, quais as suas características e como ele se manifesta em seu dia a dia. Para isso, sugiro a realização de três passos:

Primeiro passo: Identifique o medo que você quer praticar

Você precisa ter clareza sobre qual a situação específica que faz sua ansiedade se elevar. Só assim você poderá definir as diretrizes para praticá-la. Listo aqui alguns exemplos de medos comuns:

  • Falar em público;
  • Andar de ônibus;
  • Dirigir;
  • Entrar em uma loja lotada;
  • Andar de avião;
  • Estar em lugares altos;
  • Usar um banheiro público.

Mas atenção!

Existem inúmeras situações que podem lhe causar medo. Muitas delas não geram nenhuma consequência negativa, além de também ajudá-lo a se proteger de perigos.

Na academia da ansiedade, estamos falando especificamente daqueles medos que trazem prejuízo ao seu dia a dia e com os quais você gostaria de aprender a lidar melhor.

Segundo passo: Identifique seus pensamentos automáticos

Quais são os pensamentos surgidos quando você entra em contato com a situação que lhe causa medo? O que você prevê que vai acontecer?

Para que fique mais claro, descreverei o exemplo de Ana.

Ana sofreu um acidente de ônibus quando tinha 12 anos e a partir daí, desenvolveu um medo específico de utilizar este meio de transporte.

Sempre que se imagina entrando em um ônibus, Ana tem o seguinte pensamento: “Vou sofrer um acidente e me machucar”. Isso se chama pensamento automático, pois ele vem espontaneamente, parece verdadeiro no momento e aumenta a sua ansiedade.

Para identificar seu pensamento automático, faça o seguinte exercício: quando perceber sua ansiedade se elevando diante da situação que lhe causa medo, faça a seguinte pergunta: O que está passando pela minha cabeça agora?

Ao identificar estes pensamentos, você começa a entender a lógica que está por trás da sua tendência a evitar aquela situação. Além disso, abre o caminho para começar a desafiar estes pensamentos, como será descrito logo adiante no item “Treino 3: Aprenda a desafiar seus pensamentos negativos”.

Terceiro passo: Construa uma hierarquia do seu medo

Faça uma lista de 10 situações relacionadas ao seu medo, da menos à mais assustadora.

Coloque ao lado de cada item o nível de ansiedade gerado ao se imaginar na situação. Para isso, utilize uma escala de 0 a 100, onde 0 representa ausência completa de medo, e 100 representa pânico total; 50 indica uma quantidade moderada de medo.

No caso de Ana, sua hierarquia do medo está exemplificada abaixo. Perceba que, dentre as situações relacionadas ao seu medo, “ver imagens de pessoas andando de ônibus” é a menos assustadora para ela, gerando um nível baixo de ansiedade (10). Já “realizar uma viagem intermunicipal de ônibus” lhe gera um nível máximo de ansiedade (100).

Construa agora a sua hierarquia do medo:

2. Iniciando os exercícios na academia

  Agora que você já tem sua hierarquia do medo, é hora de iniciar os treinos! É hora de começar a praticar sua ansiedade!

Passarei três treinos importantes para exercitar e fortalecer seu músculo do desconforto.

Lembre-se: você tem este músculo. Porém, nem sempre ele é desenvolvido, pois a tendência natural do ser humano é evitar as situações desconfortáveis. A partir de agora, você irá fortalecê-lo.

Treino 1: Faça uma imagem-teste de seu medo

Neste passo, você precisará utilizar sua hierarquia do medo para simular um encontro com sua ansiedade. É como um ensaio para a realidade, que deve ser feito da seguinte forma:

a) Pegue cada passo da sua hierarquia do medo, começando pelo menos assustador, e elabore uma imagem de tal passo em sua mente, com o maior número de detalhes possível;

b) Mantenha cada imagem em mente por um tempo aproximado de 10 minutos, ou seja, imagine-se praticando a ação descrita na sua hierarquia, como se estivesse ocorrendo de verdade. Quanto mais real a imagem parecer, mais eficaz será o exercício;

c) A cada dois minutos, observe seu nível de ansiedade e anote;

d) Continue a pensar na imagem até que aconteça uma queda no seu nível de ansiedade;

e) Depois que você perceber o nível de ansiedade diminuir, passe ao próximo nível da hierarquia e siga os mesmos passos, sucessivamente, até chegar ao último item.

E lembre-se: se o seu nível de medo se mantiver alto durante os 10 minutos, você pode dar um passo atrás na hierarquia ou simplesmente interromper a prática naquele dia. Você sempre pode recomeçar em outro dia, exatamente de onde você parou.

A ideia é que ocorra uma queda nos seus níveis de ansiedade. Este processo se chama de habituação, ou seja, quanto mais você pratica a imagem, mais você vai se habituando à situação temida, ficando menos agitado e mais indiferente a ela.

Treino 2: Pratique seu medo na vida real

Após passar pela exposição imaginária e perceber diminuições no seu nível de ansiedade, você está pronto para a exposição na vida real.

O processo é muito semelhante àquele feito com imagens, porém, agora a ideia é se colocar de verdade nas situações da sua hierarquia do medo. A exposição ocorre da seguinte forma:

a) Escolha a situação da sua hierarquia que lhe provoca um medo moderado. No caso de Ana, por exemplo, a exposição pode iniciar pelo item: “Entrar no ônibus, cumprimentar o motorista e sair”.

Mas por que não iniciar com o primeiro item da hierarquia?

Porque é importante que exista um nível moderado de ansiedade para que você sinta todo o processo acontecendo em seu corpo: a ansiedade subindo, atingindo seu pico e descendo. É necessário haver certo nível de desconforto para que ocorra a habituação.

Exercite seu músculo do desconforto o máximo que puder!

b) Pratique o medo repetidamente, em sessões diárias de aproximadamente 30 minutos, ou até o nível de ansiedade baixar. Observe sua ansiedade aumentar e depois diminuir. Não fuja. Quanto mais tempo você praticar aquilo que o assusta, mais forte ficará.

A repetição é a chave para o sucesso da exposição!

c) Após praticar repetidas vezes determinado item da hierarquia, se você perceber que a tarefa já se tornou “chata”, comemore! Sua ansiedade diminuiu. Você já pode passar para o próximo item da hierarquia e realizar os mesmos procedimentos, até finalizar o último item.

Treino 3: Aprenda a desafiar seus pensamentos negativos

Ao mesmo tempo em que você vai praticando seus medos na imaginação e na vida real, você precisará aprender a desafiar aqueles pensamentos negativos surgidos quando você entra em contato com a situação.

Como fazer isso?

Analisando as evidências que provam que eles estavam errados.

No caso de Ana, seu pensamento negativo automático era: “Vou sofrer um acidente e me machucar”. Então, ela deve se perguntar: Quais são as evidências de que eu realmente sofrerei novamente um acidente de ônibus?

Certamente é verdade que ocorrem acidentes com ônibus. Mas qual a probabilidade de isso ocorrer com ela?

Para verificar isso, Ana pode coletar dados sobre acidentes envolvendo ônibus. Além disso, a partir do momento em que começar a andar de ônibus e perceber que seu pensamento não se confirma, Ana terá mais evidências de que ele é apenas uma previsão, e não a realidade em si.

Lembre-se: o que existem são probabilidades. Não há certeza no mundo em que vivemos. Portanto, você tem dois caminhos: viver paralisado pelo seu medo ou passar a enfrentá-lo e lidar com a possibilidade de não haver garantias na vida real.

Ufa! Treinos finalizados! Lembre-se de se parabenizar a cada conquista obtida! Afinal, tudo ocorreu devido ao seu esforço e dedicação!

Palavras finais…

As orientações da academia da ansiedade podem ser repetidas para as mais diversas situações em que você se sente ansioso.

A lógica é sempre a mesma: a única maneira de aprender a nadar é entrando na água. Portanto, mexa-se! A ansiedade é apenas desconfortável, mas está longe de ser perigosa.

E um ponto de extrema importância: não espere se sentir pronto. Este é um grande dificultador de qualquer aprendizado. Você alimenta a ilusão de que existirá um momento ideal para realizar as coisas. Porém, este momento ideal não chega, e você se descobre paralisado.

Lembre-se: o seu desconforto deve ser o seu professor: é ele quem ditará o momento de realizar aquilo que lhe provoca ansiedade.

Portanto, o desconforto é o gatilho para você provar a você mesmo que a ansiedade não poderá paralisá-lo(a). Pelo contrário, aprendendo a utilizá-la a seu favor, ela passará a libertá-lo(a).

Natália Rigatti

Psicóloga (CRP 07/20324), apaixonada por esportes e alimentação saudável, praticante de corrida de rua e defensora da busca pelo bem-estar e qualidade de vida das pessoas. Em 2012 iniciou o trabalho na Clínica com psicoterapia individual, e em 2013 tornou-se Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental. Em 2015, decidiu realizar seu sonho e mergulhar ainda mais fundo no universo das pessoas ansiosas, fundando o projeto “De bem com a ansiedade”. Hoje, além de ajudar seu público a melhorar sua relação com a ansiedade, também auxilia psicólogos a trabalharem com ansiedade de uma forma mais criativa e funcional.

Este post tem 6 comentários

  1. Mariana

    Olá, estou passando por um momento dificil com minhas crises de ansiedade. Vou seguir suas dicas terapeuticas. Boa sorte com seu projeto.

    1. Natália Rigatti

      Oi, Mariana! Muito obrigada! Espero que o material possa ajudar. Se tiver sugestões de assuntos para artigos, fique à vontade. Um abraço!

  2. Gustavo

    Olá Natália!

    Seus artigos são sensacionais. São um amparo nos meus momentos de crise. Você faz atendimento online?

    Abraço!

    1. Natália Rigatti

      Olá, Gustavo!
      Que bom, fico muito feliz em poder ajudar desta forma! 🙂
      Infelizmente ainda não trabalho com atendimento online, mas isso está nos meus planos. De onde você é?
      Um abraço, e muito obrigada!

  3. Mariana

    No caso do medo ser de morrer? Tipo, sentir qualquer coisa no corpo e achar que vai morrer… como é que se expõe a ele? para lidar com a ansiedade gerada por esse pensamento automático? Obrigada

    1. Natália Rigatti

      Bom dia, Mariana! Excelente a sua pergunta! O medo de morrer pode ser praticado quando identificamos um gatilho concreto para ele. Por exemplo: existem pessoas que, sempre que entram em um elevador, sentem falta de ar, dor de barriga e outros sintomas no corpo que as fazem acreditar que vão morrer. Neste caso, o gatilho que dispara o medo é: entrar no elevador. Então, podemos praticar este medo de forma mais fácil. Porém, se no seu caso não há um gatilho concreto, apenas sintomas no corpo que surgem aparentemente sem explicação, você terá que executar os Treinos “1” e “3” referidos no artigo, ou seja, praticar seu medo na imaginação, visualizando a pior situação envolvendo este medo de morrer, e desafiar seus pensamentos automáticos, buscando evidências de que irá morrer, probabilidade de isso ocorrer, enfim, será um treino mais cognitivo. Espero ter esclarecido.. qualquer coisa, envie novamente sua dúvida! Um grande abraço e muito obrigada por sua pergunta!

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